2002
A Lei do Sacrifício
Março de 2002


A Lei do Sacrifício

Os dois grandes propósitos da lei do sacrifício são testar-nos e provar-nos e ajudar-nos a vir a Cristo.

Há alguns anos, eu e minha família visitamos Palmyra, Nova York; Kirtland, Ohio; e Nauvoo, Illinois. Estudamos a história dos primórdios da Igreja naquela viagem e lembramo-nos dos enormes sacrifícios que os fundadores da Igreja fizeram para estabelecer o reino de Deus nesta última dispensação.

O fato de refletir sobre a humilde obediência deles fez minha mente concentrar-se na natureza eterna da lei do sacrifício, uma parte vital do evangelho de Jesus Cristo. Ela foi praticada na época do Velho Testamento, Novo Testamento e Livro de Mórmon. Embora sua prática tenha mudado no período do Novo Testamento, os propósitos da lei do sacrifício permaneceram inalterados mesmo depois da Expiação de Cristo ter cumprido a lei de Moisés.

Em geral, a primeira coisa que vem à mente das pessoas quando elas ouvem “lei de Moisés” é o sacrifício de animais. A natureza um tanto assustadora dos holocaustos de sangue leva algumas pessoas a perguntarem: “Como uma atividade dessas pode ter algo a ver com o evangelho de amor?” Podemos compreender melhor a resposta a essa pergunta quando entendemos os dois propósitos da lei do sacrifício. Esses propósitos aplicaram-se a Adão, Abraão, Moisés e os apóstolos do Novo Testamento e aplicam-se a nós hoje ao aceitarmos e seguirmos a lei do sacrifício. Seus dois grandes propósitos são testar-nos e provar-nos e ajudar-nos a vir a Cristo.

“Decretei em meu coração, diz o Senhor, que vos provarei em todas as coisas para ver se permanecereis em meu convênio, mesmo até a morte, para que sejais considerados dignos.

Porque se não permanecerdes em meu convênio, não sereis dignos de mim.” (D&C 98:14–15; grifo do autor)

A lei do sacrifício concede-nos a oportunidade de provar ao Senhor que O amamos acima de qualquer outra coisa. Conseqüentemente, o caminho às vezes se torna difícil porque esse é o processo de perfeição que nos prepara para o reino celestial para “[habitarmos] na presença de Deus e seu Cristo para todo o sempre”. (D&C 76:62)

Posteriormente, o Presidente Ezra Taft Benson (1899–1994) explicou que “a sagrada missão da Igreja (…) [é] ‘convidar todos a virem a Cristo’. (D&C 20:59)” (“‘Come unto Christ, and Be Perfected in Him’”, Ensign, maio de 1988, p. 84; ver também Morôni 10:32.) Tendo isso em mente, a lei do sacrifício sempre foi um meio para os filhos de Deus achegarem-se ao Senhor Jesus Cristo.

Como o sacrifício nos ajuda a vir a Cristo? Ninguém jamais aceitará o Salvador sem ter fé Nele primeiro. Assim, o primeiro princípio do evangelho é a fé no Senhor Jesus Cristo. Nesse sentido, o Profeta Joseph Smith (1805–1844) explicou uma importante relação entre o princípio da fé e o princípio do sacrifício: “Observemos que uma religião que não exige o sacrifício de todas as coisas jamais terá poder suficiente para produzir a fé necessária à vida e à salvação; (…) é por meio do sacrifício de todas as coisas terrenas que os homens verdadeiramente sabem que estão fazendo as coisas que agradam a Deus. Quando um homem houver oferecido em sacrifício tudo o que possuir pela causa da verdade, sem poupar nem mesmo sua vida, e crendo diante de Deus ter sido chamado para fazer tal sacrifício por procurar fazer a vontade Dele, ele realmente saberá, com toda a certeza, que Deus aceita e aceitará seu sacrifício e oferta e que ele não buscou nem buscará a face Dele em vão. Nessas circunstâncias, então, ele poderá alcançar a fé necessária para merecer a vida eterna.” (Lectures on Faith [1985], p. 69)

Em resumo: precisamos saber que o que fazemos agrada a Deus e compreender que esse conhecimento nos advém por meio do sacrifício e da obediência. Aqueles que vierem a Cristo dessa maneira receberão uma confiança que sussurrará paz a sua alma e que por fim lhes permitirá tomar posse da vida eterna.

O Que O Sacrifício Ensina

O sacrifício permite-nos aprender algo acerca de nós mesmos — o que estamos dispostos a oferecer ao Senhor por meio de nossa obediência.

O irmão Truman G. Madsen falou de uma visita que fez a Israel com o Presidente Hugh B. Brown (1883–1975), um apóstolo do Senhor que serviu como segundo conselheiro e depois primeiro conselheiro na Primeira Presidência. Num vale conhecido como Hebron, onde segundo a tradição está localizada a tumba do Pai Abraão, o irmão Madsen perguntou ao Presidente Brown: “Quais são as bênçãos de Abraão, Isaque e Jacó?” Depois de breves instantes de reflexão, o Presidente Brown respondeu: “A posteridade”.

O irmão Madsen escreveu: “Não consegui conter-me: ‘Por que então Abraão recebeu o mandamento de ir ao Monte Moriá e oferecer em sacrifício sua única esperança de posteridade?’

Era evidente que o [Presidente Brown], de quase noventa anos de idade, já pensara, orara e chorara a respeito daquela pergunta antes. Por fim, ele disse: ‘Abraão precisava aprender algo sobre Abraão’”. ( The Highest in Us [1978], p. 49)

Agora vejamos outra maneira pela qual a lei do sacrifício levou as pessoas a Cristo. Antigamente, os sacrifícios de sangue conduziam as pessoas a Cristo oferecendo um símbolo ou protótipo de Sua vida e missão.

Foi ensinado a Adão que o sacrifício no altar era “à semelhança do sacrifício do Unigênito do Pai”. (Moisés 5:7) Isso nos ensina que originalmente os filhos de nosso Pai compreendiam a relação entre o sacrifício de suas ofertas e o sacrifício do Cordeiro de Deus. (Ver D&C 138:12–13.)

É no Livro de Mórmon que encontramos alguns dos ensinamentos doutrinários mais claros sobre o propósito da lei do sacrifício conforme praticada na lei de Moisés. Néfi ensinou que ela era vivida para servir de símbolo do sacrifício de Cristo. (Ver 2 Néfi 11:4.) Ele escreveu: “Guardamos a lei de Moisés e esperamos firmemente em Cristo. (…) Pois com esta finalidade a lei foi dada”. (2 Néfi 25:24–25) Em Alma, lemos: “Aguardavam ansiosamente a vinda de Cristo, considerando a lei mosaica um símbolo de sua vinda. (…) A lei de Moisés, porém, serviu para fortalecer-lhes a fé em Cristo”. (Alma 25:15–16)

O Profeta Joseph Smith ensinou: “Quando o Senhor Se revelava aos homens nos dias antigos e mandava que Lhe oferecessem sacrifícios, Ele o fazia para que aguardassem com fé o tempo de Sua vinda, e confiassem no poder dessa expiação para serem redimidos de seus pecados”. (Ensinamentos do Profeta Joseph Smith, sel. por Joseph Fielding Smith [1976], p. 60)

O Presidente Spencer W. Kimball (1895–1985) certa vez explicou a um rapaz que estava com o testemunho abalado que são necessários esforços e empenho para sermos salvos por meio de Jesus Cristo. Ele disse a meu amigo: “Por meio do sacrifício e do serviço, podemos vir a conhecer o Senhor”. Ao sacrificarmos nossos desejos egoístas e servirmos a Deus e ao próximo, tornamo-nos mais semelhantes a Ele.

O Élder Russell M. Nelson, do Quórum dos Doze Apóstolos, ensinou:

“Ainda temos o mandamento de fazer sacrifício, mas não pelo derramamento de sangue de animais. Alcançamos nosso maior senso de sacrifício ao tornarmo-nos mais santificados.

Isso fazemos por meio de nossa obediência aos mandamentos de Deus. Assim, as leis da obediência e do sacrifício estão inseparavelmente ligadas. (…) Ao seguirmos esses e outros mandamentos, algo maravilhoso acontece conosco. (…) Tornamo-nos mais santos — [mais] semelhantes a nosso Senhor!” (“Lessons from Eve”, Ensign, novembro de 1987, p. 88)

De fato, a palavra sacrifício significa literalmente “fazer sagrado” ou “tornar sagrado”.

Uma Lei Desde O Princípio

Nossas primeiras lições sobre a lei do sacrifício, bem como os demais princípios do evangelho, começaram em nossa vida pré-mortal. Foi-nos ensinada a plenitude do evangelho e o plano de salvação. (Ver D&C 138:56.) Tomamos conhecimento da missão do Salvador e de Seu futuro sacrifício expiatório e voluntariamente O apoiamos como nosso Salvador e Redentor. De fato, aprendemos no capítulo 12, versículos 9 e 11 de Apocalipse que é “pelo sangue do Cordeiro” (o sacrifício expiatório de Cristo) e nosso testemunho que conseguimos sobrepujar Satanás. O Presidente Joseph F. Smith (1838–1918) explicou: “O Senhor determinou no princípio que colocaria perante o homem o conhecimento do bem e do mal e lhe daria o mandamento de apegar-se ao bem e abster-se do mal. Mas se caísse, Ele lhe daria a lei do sacrifício e lhe providenciaria um Salvador, para que pudesse ser trazido de volta à presença e às boas graças de Deus e partilhar da vida eterna com Ele. Esse era o plano de redenção escolhido e instituído pelo Todo-Poderoso antes de o homem ser colocado na Terra”. ( Ensinamentos dos Presidentes da Igreja: Joseph F. Smith [1998], p. 98)

Adão e Eva foram instruídos quanto à lei do sacrifício e receberam o mandamento de praticá-la fazendo ofertas. Elas incluíam dois emblemas: as primícias dos rebanhos e os primeiros frutos do campo. Eles obedeceram sem questionar. (Ver Moisés 5:5–6.) O Presidente David O. McKay (1873–1970) ressaltou: “O significado dessa [lei] era que o melhor que a Terra produzisse e os melhores espécimes dos rebanhos ou manadas não deveriam ser usados em benefício próprio, mas entregues a Deus”. (“The Atonement”, Instructor, março de 1959, p. 66) Numa época da história em que era uma luta dar alimento à família, aqueles que procuravam adorar ao Senhor recebiam o mandamento de sacrificar a melhor parte de sua fonte de sobrevivência. Era um verdadeiro teste para a fé de Adão e Eva, e eles obedeceram.

Da mesma forma, Abel, Noé, Abraão, Isaque, Jacó e todos os santos profetas de Adão a Moisés ofereceram sacrifícios ao Senhor de maneira semelhante.

A Lei de Moisés

Devido à natureza rebelde dos filhos de Israel nos dias de Moisés, a prática da lei do sacrifício foi alterada; tornou-se uma lei rígida que exigia a observância diária de cerimônias e ordenanças. Na época de Moisés, houve uma expansão no número e variedade das ofertas feitas sob a lei do sacrifício. Os sacrifícios mosaicos consistiam em cinco grandes ofertas que se enquadravam em duas categorias principais: obrigatórias e voluntárias. As diferenças entre as ofertas obrigatórias e voluntárias poderiam ser comparadas com a diferença entre a lei do dízimo e a lei das ofertas de jejum.

Uma coisa permaneceu inalterada em todas essas ofertas: tudo o que se relacionava ao sacrifício mosaico estava centrado em Cristo. Assim como Cristo, o sacerdote agia como mediador entre as pessoas e seu Deus. Como Cristo, o sacerdote tinha que pertencer à linhagem correta para atuar em seu ofício. Como Cristo, a pessoa que oferecia o sacrifício por meio da obediência sacrificava voluntariamente o que era exigido pela lei.

A parte do sacrifício que mais fortemente se assemelhava com o Salvador era a oferta em si. Observem comigo alguns desses paralelos.

Primeiro, assim como Cristo, o animal era escolhido e ungido pela imposição de mãos. (Tanto o título hebraico Messias como o título grego Cristo significam “o Ungido”.) Segundo, o sangue do animal tinha de ser derramado. Terceiro, ele não podia ter mácula, mas devia ser totalmente desprovido de defeitos físicos — ser completo, ileso, perfeito. Quarto, o sacrifício tinha que ser limpo e digno. Quinto, o sacrifício tinha que ser domesticado; isto é, não podia ser selvagem, mas dócil e útil ao homem. (Ver Levítico 1:2–3, 10; 22:21.) Sexto e sétimo, para o sacrifício original praticado por Adão e o sacrifício mais comum na lei de Moisés, o animal tinha de ser o primogênito e do sexo masculino. (Ver Êxodo 12:5; Levítico 1:3; 22:18–25.) Oitavo, o sacrifício de grãos tinha de ser moído e transformado em farinha e depois pães, o que nos faz lembrar do título de nosso Senhor de Pão da Vida. (Ver João 6:48.) Nono, as primícias que eram oferecidas nos lembram que Cristo seria o primeiro a ressuscitar. (Ver I Coríntios 15:20.) (Ver também Guia para Estudo das Escrituras, “Sacrifício”; Daniel H. Ludlow, editor, Encyclopedia of Mormonism, 5 volumes [1992], 3:1248 –1249.)

O Cumprimento Da Lei

A lei do sacrifício com seu sistema de ofertas dado a Moisés ainda estava sendo praticada na época do Novo Testamento. O Jesus Cristo do Novo Testamento era o Jeová do Velho Testamento — Ele próprio que concedera a lei de Moisés, determinando os elementos da lei que especificamente apontavam para Seu futuro sacrifício expiatório. Então, Ele era o único com autoridade para cumprir essa lei, e Suas palavras finais — “Está consumado” (João 19:30) — indicam que isso foi feito.

Amuleque explicou o cumprimento da lei da seguinte maneira:

“Assim sendo, é necessário que haja um grande e último sacrifício; e aí haverá (…) um fim para o derramamento de sangue; então será cumprida a lei de Moisés. (…)

E eis que este é o significado total da lei, cada ponto indicando aquele grande e último sacrifício; e aquele grande e último sacrifício será o Filho de Deus, sim, infinito e eterno.” (Alma 34:13–14)

Agora, eis uma verdade muito importante: Devemos compreender que a lei de Moisés não é a mesma coisa que a lei do sacrifício. Ao passo que a lei de Moisés foi cumprida, os princípios da lei do sacrifício continuam a fazer parte da doutrina da Igreja. O propósito principal da lei do sacrifício ainda é testar-nos e ajudar-nos a vir a Cristo. Depois do sacrifício supremo do Salvador, fizeram-se dois ajustes na prática dessa lei. Primeiro, a ordenança do sacramento substituiu a ordenança do sacrifício de animais; e segundo, essa mudança alterou o foco do sacrifício: do animal pertencente a uma pessoa para a própria pessoa. De certa forma, o sacrifício mudou da oferta para o aquele que faz a oferta.

Ao pensarmos na substituição dos sacrifícios de animais pelo sacramento, é impossível não notar a forte relação entre os dois. Tanto os sacrifícios como o sacramento:

  • São afetados pela atitude e dignidade da pessoa. (Ver Amós 5:6–7, 9–10, 21–22; 3 Néfi 18:27–29; Morôni 7:6–7.)

  • Foram concebidos para serem realizados por sacerdotes que oficiem no Sacerdócio Aarônico. (Ver D&C 13:1; 20:46.)

  • Estão centrados em Cristo. (Ver Lucas 22:19–20; Alma 34:13–14.)

  • Usam emblemas que representam a carne e o sangue de Cristo. (Ver Lucas 22:19–20; Moisés 5:6–7.)

  • Proporcionam um meio pelo qual as pessoas podem fazer e renovar convênios com Deus. (Ver Levítico 22:21; D&C 20:77, 79.)

  • São realizados regularmente no Dia do Senhor, bem como em outras ocasiões especiais. (Ver Levítico 23:15; D&C 59:9–13.)

  • Estão associados com refeições que simbolicamente representam a Expiação. (Ver Levítico 7:16– 18; Mateus 26:26.)

  • São as únicas ordenanças de salvação nas quais os membros participam por si mesmos mais de uma vez.

  • Proporcionam um passo importante no processo do arrependimento. (Ver Levítico 19:22; 3 Néfi 18:11; Moisés 5:7–8.)

O Presidente Joseph F. Smith disse que o propósito do sacramento é “que sejamos continuamente lembrados do Filho de Deus, que nos redimiu da morte eterna e nos trouxe novamente de volta à vida pelo poder do evangelho. Antes da vinda de Cristo à Terra, isso era lembrado (…) por meio de outra ordenança, que incluía o sacrifício de um animal, uma ordenança que simbolizava o grande sacrifício que ocorreria no meridiano dos tempos”. ( Ensinamentos dos Presidentes da Igreja: Joseph F. Smith, p. 102)

O Sacrifício de Nós Mesmos

Depois de Seu ministério mortal, Cristo elevou a lei do sacrifício a um novo patamar. Ao descrever como a lei continuaria, Jesus disse a Seus apóstolos nefitas que Ele não aceitaria mais holocaustos, mas que Seus discípulos deveriam oferecer “um coração quebrantado e um espírito contrito”. (3 Néfi 9:19–20; ver também D&C 59:8, 12.) Em vez de exigir animais ou grãos, o Senhor agora deseja que renunciemos a tudo que seja impuro. Essa prática mais elevada da lei do sacrifício chega às profundezas da alma da pessoa. O Élder Neal A. Maxwell, do Quórum dos Doze Apóstolos, disse: “O sacrifício real, pessoal, nunca foi colocar-se um animal sobre o altar, mas, sim, o desejo de se colocar o animal que existe em nós sobre o altar, para que seja consumado!” (“‘Negai-vos a Toda Iniqüidade’”, A Liahona, julho de 1995, p. 73)

Como podemos mostrar ao Senhor que nos colocamos simbolicamente sobre o altar de sacrifício de hoje? Demonstramos a Ele ao vivermos o primeiro grande mandamento: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu pensamento”. (Mateus 22:37) Quando vencermos nossos próprios desejos egoístas e pusermos Deus em primeiro lugar em nossa vida e fizermos convênio de servir a Ele a despeito do custo, então estaremos vivendo a lei do sacrifício.

Uma das melhores maneiras de termos certeza de estar cumprindo o primeiro grande mandamento é se guardarmos o segundo grande mandamento. O próprio Mestre ensinou: “quando o fizestes a um destes meus pequeninos, a mim o fizestes”. (Mateus 25:40) O rei Benjamim ensinou: “Quando estais a serviço de vosso próximo, estais somente a serviço de vosso Deus”. (Mosias 2:17) O grau de nosso amor ao Senhor e a nosso próximo pode ser medido pelo que estamos dispostos a sacrificar por eles. O sacrifício é uma demonstração de amor puro.

Às vezes, a maneira mais eficaz de ensinarmos um princípio é dar um exemplo de seu uso na prática. Vou usar dois exemplos com os quais estou familiarizado, sabendo como sei que muitos outros membros da Igreja poderiam contar histórias igualmente significativas de sacrifício de sua própria experiência familiar.

Meu bisavô, Henry Ballard, filiou-se à Igreja na Inglaterra, imigrou para os Estados Unidos e sofreu grandes privações em sua viagem rumo ao oeste, com destino a Utah. Da mesma forma, minha bisavó, Margaret McNeil Ballard, enfrentou muitas tribulações ao atravessar as planícies quando tinha apenas 11 anos de idade. Ao passar pela trilha dos pioneiros com minha família alguns anos atrás, fiquei a perguntar-me como meus bisavós fiéis sobreviveram àquela jornada e como conseguiram fazer tudo o que fizeram no decorrer de sua vida. Certamente, eles conheceram a Deus e Seu Santo Filho ao darem voluntariamente tudo o que tinham a fim de servir-Lhes. Henry Ballard serviu fielmente como bispo da Ala Logan II por quase 40 anos (apenas alguns meses menos do que isso). Sua dedicada esposa Margaret serviu como presidente da Sociedade de Socorro por 30 anos.

Nosso comprometimento para com o reino deve estar à altura do de nossos antepassados fiéis, ainda que nossos sacrifícios sejam diferentes. Hoje na Igreja, podemos achar muitos exemplos que nos ajudam a compreender que o sacrifício pelo evangelho ainda é essencial e que vir a Cristo exige tanto comprometimento e dedicação agora quanto sempre exigiu.

Não faz muito tempo, por exemplo, recebi a designação de presidir uma conferência regional em La Paz, Bolívia. Alguns membros vinham de pequenas cidades e vilas muito distantes, mostrando grande sacrifício e dedicação para poderem assistir às reuniões. Antes do treinamento de liderança do sacerdócio, cumprimentei os irmãos à medida que chegavam. Percebi que a camisa de um irmão mais velho apresentava uma cor diferente da metade do peito para baixo; a parte de cima era branca, enquanto que a parte de baixo era de um marrom avermelhado. Ele e três de seus companheiros, todos portadores do Sacerdócio de Melquisedeque, haviam viajado por muitas horas, caminhando a maior parte do caminho e cruzando dois rios onde a água barrenta chegava à altura do peito. Eles haviam pedido carona num caminhão e viajado na carroceria nas últimas duas horas da jornada.

O sacrifício deles e sua atitude acerca disso fizeram com que eu me sentisse extremamente humilde. Um desses homens fiéis disse-me: “Élder Ballard, o senhor é um dos Apóstolos do Senhor. Eu e meus irmãos estamos dispostos a fazer qualquer coisa que o senhor nos ensinar”.

Será que temos uma atitude semelhante quando somos convidados para participar de reuniões de liderança da estaca e ala ou ramo e distrito?

As Bênçãos Do Sacrifício

Lemos em várias passagens das escrituras que o sacrifício traz bênçãos. Esse é um princípio verdadeiro. Deixem-me ilustrar com uma experiência pessoal.

Fui chamado como bispo de uma ala no subúrbio de Salt Lake City em 1958, na época em que os membros locais pagavam 50 por cento dos custos envolvidos na construção das capelas. Uma das experiências de liderança mais importantes de minha vida aconteceu várias semanas antes da dedicação de nossa capela. Nossa ala, formada por famílias jovens que estavam sempre fazendo esforços sobre-humanos para equilibrar o orçamento doméstico, ainda precisava angariar 30.000 dólares. Jejuei e orei para saber o que eu deveria dizer a eles a respeito dessa obrigação. Nós já lhes havíamos pedido muito.

Quando os irmãos estavam reunidos para a reunião do sacerdócio, fui inspirado a ler para eles o testemunho que o Élder Melvin J. Ballard, meu avô, prestou quando foi ordenado ao Quórum dos Doze Apóstolos em 7 de janeiro de 1919. Cito uma pequena parte em que ele relatou sua experiência em 1917 quando havia buscado ao Senhor fervorosamente numa situação em que não havia precedentes para orientá-lo:

“Naquela noite, recebi uma manifestação e impressão maravilhosa que nunca me saiu da mente. Fui transportado a este lugar — para esta sala. Vi a mim mesmo aqui com vocês. Foi-me dito que havia outro privilégio que eu viria a receber e fui conduzido a uma sala onde me informaram que eu iria conhecer alguém. Ao adentrar o recinto vi, assentado numa plataforma elevada, o ser mais glorioso que eu jamais poderia conceber, e fui levado adiante para ser apresentado a Ele. Quando me aproximei, Ele sorriu, chamou-me pelo nome e estendeu as mãos em minha direção. (…) Ele colocou os braços em volta de mim, beijou-me e, ao encostar-me contra Seu peito, abençoou-me até fazer vibrar cada fibra de meu ser. Quando Ele terminou, caí a Seus pés, e então vi as marcas dos cravos; e ao beijá-los, com profunda alegria irradiando-se por todo o meu ser, senti que eu estava verdadeiramente no céu. O sentimento que me sobreveio ao coração naquele momento era: Oh! Se eu pudesse viver digno (…) para que no fim, ao terminar a jornada, voltasse a Sua presença e desfrutasse o sentimento que tive naquele momento em Sua presença, eu daria tudo o que sou e que espero vir a ser!” (Melvin R. Ballard, Melvin J. Ballard: Crusader for Righteousness [1966], p. 66)

O Espírito do Senhor tocou o coração dos irmãos fiéis na reunião do sacerdócio da ala naquele dia. Todos sabíamos que, com maior fé em Jesus Cristo, nosso Salvador e Redentor, poderíamos atingir nossa meta. Naquele mesmo dia, várias famílias vieram ao bispado com dinheiro, fazendo sacrifícios pessoais que iam muito além do que eu, o bispo, jamais lhes pediria. Antes das 20h de domingo, o secretário da ala havia preparado recibos relativos a uma quantia ligeiramente superior a 30.000 dólares.

O sacrifício verdadeiramente trouxe as bênçãos do céu para os membros de nossa ala. Nunca morei no meio de pessoas mais unidas, mais atenciosas, mais preocupadas umas com as outras do que aqueles membros. Em nosso maior sacrifício, unimo-nos no verdadeiro espírito do evangelho do amor e do serviço.

O sacrifício ainda é necessário para desenvolvermos uma fé forte o suficiente para alcançarmos a vida eterna. Creio que devemos aumentar nossa devoção espiritual e serviço ao Senhor e ao próximo para demonstrarmos nosso amor a Ele e a nosso Pai Celestial.

O Teste Da Abundância

Ao refletirmos sobre a lei do sacrifício em nossa vida, reflitamos sobre o ambiente em que vivemos. As bênçãos que recebemos em nossa época são extraordinárias. Precisamos ter muito cuidado para não incorrermos em ingratidão. O Senhor declarou: “E em nada ofende o homem a Deus ou contra ninguém está acesa sua ira, a não ser contra os que não confessam sua mão em todas as coisas e não obedecem a seus mandamentos”. (D&C 59:21) O espírito da lei do sacrifício promove a gratidão.

Estamos vivendo num período de grande prosperidade que pode, quando a história for escrita, provar-se tão devastador para nossa alma quanto os efeitos das perseguições físicas foram para nossos antepassados pioneiros. O Presidente Brigham Young (1801–1877) advertiu: “Suportamos a pobreza, a perseguição e a opressão; muitos de nós sofremos a perda de todas as coisas do ponto de vista do mundo. Mas dê-nos prosperidade e vejamos se conseguiremos suportá-la e estar dispostos a servir a Deus. Vejamos se estaríamos dispostos a sacrificar milhões assim como sacrificaríamos em comparativa pobreza”. ( Deseret News Weekly, 26 de outubro de 1870, p. 443)

Devemos recordar o ciclo de prosperidade encontrado no Livro de Mórmon quando as pessoas abençoadas por sua retidão se tornaram abastadas e então se esqueceram do Senhor. Não nos esqueçamos do Senhor em nossos dias de prosperidade. Mantenhamos o espírito da lei do sacrifício e sempre agradeçamos a Ele pelo que temos, mesmo que não seja tanto quanto algumas outras pessoas têm.

Vejamos a linguagem das escrituras ao descreverem o nível de sacrifício que o Senhor exige de nós: “Ofertai [a Deus] toda a vossa alma”. (Ômni 1:26; ver também Mosias 2:24.) “Que apresenteis os vossos corpos em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus”. (Romanos 12:1) O próprio Senhor disse que devemos guardar nossos “convênios por meio de sacrifício — sim, todo sacrifício que eu, o Senhor, ordenar”. (D&C 97:8) O sacrifício que o Senhor pede a nós é que nos despojemos do “homem natural” (Mosias 3:19) e de toda a impureza que isso acarreta. Quando nos submetemos totalmente ao Senhor, então Ele provocará uma grande mudança em nós, e nos tornaremos uma nova pessoa, justificada, santificada e nascida novamente com Sua imagem em nosso semblante. (Ver Mosias 5:2; Alma 5:14; Moisés 6:59–60.)

Assim como em todas as coisas, nosso Senhor e Salvador deixou o supremo exemplo de sacrifício. O ápice de Sua missão divina foi quando Ele deu Sua vida para redimir-nos. Por meio de Seu sacrifício pessoal, Ele propiciou um meio para que nossos pecados fossem perdoados e voltássemos à presença de nosso Pai.

Hoje presto um testemunho especial desse que foi o acontecimento mais singular de todos os tempos. Testifico dos efeitos de longo alcance dessa que foi a mais sagrada e todas as ofertas. Futuramente, em outra vida, quando nosso raciocínio finito for expandido, compreenderemos melhor os poderes intensos da Expiação e sentiremos ainda mais gratidão, admiração, adoração e amor por nosso Salvador, de maneiras que nem nos são possíveis neste estado atual.

Um temor que tenho é o de estarmos perdendo a visão da importância do princípio do sacrifício. Esse princípio é uma lei de Deus. Devemos compreendê-la e praticá-la. Caso ser membro da Igreja se torne fácil demais, o testemunho das pessoas se tornará mais superficial, e as raízes do testemunho não se aprofundarão no solo da fé como o fizeram com nossos antepassados pioneiros. Que Deus conceda a cada um de nós a compreensão da lei do sacrifício e a convicção de que ela é necessária hoje. É imprescindível que compreendamos esta lei e a vivamos.

De um discurso dirigido a educadores do Sistema Educacional da Igreja na Universidade Brigham Young em 13 de agosto de 1996.