1990–1999
Despi-vos do Homem Natural
October 1990


Despi-vos do Homem Natural

Quantas vezes os profetas advertem a respeito dos perigos do egoísmo — a preocupação exagerada e excessiva consigo mesmo. A distância entre agradar constantemente a si próprio e adorar a si mesmo é menor do que pensamos. O egoísmo teimoso é, na verdade, a rebelião contra Deus, porque, como advertiu Samuel: “A rebelião é como… idolatria” (1 Samuel 15:23.)

O egoísmo é muito mais do que um problema comum, porque ativa todos os pecados cardeais! E o detonador da quebra dos Dez Mandamentos.

Com a vida centralizada em si mesmo, naturalmente é mais fácil prestar falso testemunho, se isso servir aos próprios propósitos. E mais fácil ignorar os pais, ao invés de honrá-los. E mais fácil roubar, porque a vontade própria prevalesce. É mais fácil cobiçar, já que o egoísta conclui que nada lhe deve ser negado.

E mais fácil cometer pecados sexuais, porque a satisfação própria é o nome daquele jogo mortal em que os outros são, muitas vezes, cruelmente usados. O Dia do Senhor é facilmente negligenciado, já que um dia logo se torna exatamente igual ao outro. Ao egoísta, é mais fácil mentir, porque a verdade é convenientemente subjugada.

O egoísta busca, então, agradar não a Deus, mas a si próprio. Ele chega a quebrar um convênio para satisfazer um apetite.

O egoísmo tem pouco tempo para preocupar-se seriamente com o sofrimento dos outros, já que o amor de muitos esfria. (Vide Moisés 6:27; Mateus 24:12; D&C 45:27.)

Nos últimos dias os pecados cardeais florescerão, “como nos dias de Noé”. A sociedade dos dias de Noé, como dizem as escrituras, estava “corrompida diante da face de Deus” e “encheu-se… de violência”. (Gênesis 6:11–12; Moisés 8:28.) Corrupção e violência — isso vos parece familiar? Essas duas condições terríveis chegam ao auge por causa do surgimento do egoísmo individual. Assim envolvidos, não é de admirar que os corações dos homens estejam hoje cheios de temor (vide Lucas 21:26; D&C 45:26). Mesmo os fiéis podem esperar algumas oscilações.

Existe um certo egoísmo até mesmo nas pessoas boas. A personagem de Jane Austen, Elizabeth, refletiu: “Fui um ser egoísta durante toda a minha vida, na prática, embora não em princípio” (Pride and Prejudice, New York: Airmont Books, 1962, p. 58). O indivíduo egoísta tem paixão pelo pronome Eu.

O egoísmo, em sua preocupação com o eu, nega aos outros o elogio merecido e necessário, causando privação, ao invés de aprovação.

Encontramos em nós mesmos outras formas familiares de egoísmo: aceitar ou reivindicar um apreço não merecido; exagerar o apreço merecido; ficar contente quando outras pessoas fazem algo errado; ressentir-se com o sucesso genuíno de outras pessoas; preferir a justificação pública à reconciliação em particular; e “(aproveitar-se) das palavras de alguns” (2 Néfi 28:8). Todas as coisas são então vistas de maneira egoísta — quais são as implicações disso para “mim”, exatamente como o colchão no meio da estrada que atrapalhava o tráfego. Quando os motoristas, frustrados, finalmente contornavam o colchão, não paravam para removê-lo porque, depois de passarem, o problema já não era seu.

O Profeta Joseph Smith declarou: “O homem (é) naturalmente egoísta, ambicioso, e sempre tenta colocar-se acima dos outros” (The Words of Joseph Smith, compilado por Andrew F. Ehat e Lyndon W. Cook, Provo, Utah: Brigham Young University, Religious Studies Center, 1980, p. 201).

Saul, tomado pelo egoísmo, lembrou-se de uma época anterior, quando “(eras) pequeno aos teus olhos” (I Samuel 15:17.)

O egoísmo é muitas vezes expresso sob a forma de obstinação. Ter o “espírito (endurecido) em soberba” é um mal que pode afligir os mais brilhantes, que poderiam também ser os melhores (Daniel 5:20). Geralmente falta “uma coisa” aos mais brilhantes: humildade! Ao invés de ter “uma alma voluntária”, que busca igualar-se à “mente de Cristo”, o “espírito (endurecido) em soberba” não aceita conselhos e, muitas vezes, busca a ascendência (I Crônicas 28:9; I Coríntios 2:16; D&C 64:34). Jesus, que foi e é “mais inteligente que todos eles”, é também mais humilde que todos eles (Abraão 3:19.)

Jesus pôs tudo no altar, sem alarde e sem queixas. Tanto antes, como depois de seu sacrifício expiatório, ele declarou: “Glória ao Pai” (D&C 19:19; Moisés 4:2). Jesus, de modo extremamente brilhante, apesar de tudo, permitiu que sua vontade fosse “(incorporada) à vontade do Pai” (Mosiah 15:7; vide também João 6:38). Os que têm o espírito já endurecido são incapazes de fazer isso.

O egoísmo obstinado leva pessoas que, sob outros aspectos, eram boas, a lutarem por rebanhos, pedaços de areia e galões de leite. Tudo isso resulta daquilo que o Senhor chama de cobiçar “a gota”, “(negligenciando) coisa de maior valor” (D&C 117:8). O egoísmo míope amplia um prato de sopa e faz trinta moedas de prata parecerem um tesouro oculto. Em nossa avidez intensa, esquecemo-nos daquele que certa vez disse: “O que é propriedade para mim?” (D&C 117:4.)

E isso o que significa despoj armo- mos da carga do homem natural, que é naturalmente egoísta (vide Mosiah 3:19). Grande parte de nosso cansaço, irmãos, na verdade resulta dessa carga inútil que carregamos. O peso do homem natural nos impede de exercitar o cristianismo; assim acabamos inchados demais pelo egoísmo para passar pelo fundo estreito da agulha.

Anne Morrow Lindbergh escreveu a respeito da necessidade de “me despojar da ansiedade semelhante à de Marta, a respeito de muitas coisas, … despo jar-me do orgulho, …despojar-me da hipocrisia nas relações humanas. Será um descanso e tanto! A coisa mais exaustiva na vida, pelo que descobri”, disse ela, “é ser insincera. E por isso que uma boa parte da vida social é tão cansativa” (Gift from the Sea, New York: Vintage Books,’ 1978, p. 32).

Assim, o egoísmo incontido teimosamente bloqueia o caminho para o desenvolvimento de todas as qualidades divinas: amor, misericórdia, paciência, resignação, gentileza, amabilidade, bondade e delicadeza. Quaisquer frutos resultantes dessas virtudes são destruídos pelo egoísmo exacerbado. Além disso, irmãos, não consigo pensar em um único convênio do evangelho que, obedecido, não afaste o egoísmo de nós!

Para alguns de nós, é uma batalha tremenda! Todos sofremos desse mal, seja em que grau for. A pergunta é: “Como está a batalha?” Nosso egoísmo está sendo eliminado — mesmo que seja apenas gradualmente? Recebemos muita ajuda divina para nosdespojarmos do egoísmo, “porque, que filho há a quem o pai não corrija?” (Hebreus 12:7.)

As escrituras da restauração nos dizem muito mais a respeito de como podemos verdadeiramente ser perdoados por meio do sacrifício expiatório de Cristo, pelo qual, por fim, “(a) misericórdia… sobrepuja a justiça” (Alma 34:15). Podemos ter esperança verdadeira e justificada no futuro — esperança suficiente para desenvolver a fé necessária, tanto para nos despojarmos do homem natural como para nos tornarmos mais santificados.

Mais ainda, uma vez que a Expiação já está em vigor, sabemos que todas as outras coisas que fazem parte do plano de Deus terão o mesmo sucesso. Deus, com certeza, é capaz de fazer sua própria obra! (Vide 2 Néfi 27:20–21.) Em seus planos para a família humana, há muito tempo, Deus tomou providências em relação a todos os erros mortais. Todos os seus propósitos triunfarão, sem tirar o livre-arbítrio moral do homem. Mais ainda, todos os seus propósitos serão cumpridos no devido tempo (vide D&C 64:32.)

No entanto, sem essa e outras perspectivas espirituais, vede como nos comportamos de modo diferente. Tirai o conhecimento do propósito divino, e então vereis o egoísta rapidamente replanejar sistemas políticos e econômicos, para tornar a vida indolor e cheia de prazer. Governos mal orientados tencionam viver, mesmo que seja além de seus recursos, hipotecando, assim, gerações futuras.

Tirai a consideração pela natureza divina de nosso próximo, e observai como declina nossa comiseração por sua propriedade.

Tirai padrões morais básicos, e observai como a tolerância rapidamente se transforma em permissividade.

Tirai o sentimento sagrado de pertencer a uma família ou comunidade, e observai a rapidez com que os cidadãos deixam de zelar pela cidade.

Tirai a preocupação com o sétimo mandamento, e observai a atual celebração do sexo, a religião secular com sua própria liturgia de luxúria e música de apoio. Sua teologia focaliza o “eu”. Seu futuro é “agora”. Seu ritual principal é a “sensação” — embora, ironicamente, acabe dessensibilizando seus adeptos obcecados, que acabam por “(perder) todo o sentimento” (Efésios 4:19; Morôni 9:20.)

Assim, em todas as suas várias expressões, o egoísmo é realmente autodestruição em câmera lenta!

Cada espasmo de egoísmo estreita o universo na mesma proporção diminuindo nossa consciência em relação às outras pessoas e deixando-nos cada dia mais sós. Há, então, uma busca desesperada de sensações, exatamente com o fim de verificar que realmente se existe. Uma variação ocorre quando estamos cheios de autopiedade decorrente de carência afetiva. Ela acaba em transgressão.

O egoísmo nos coloca diante de uma cena realística, em que o homem natural age de acordo com seus desejos. Muitos declaram suas necessidades — mas onde estão as obrigações correspondentes? Muitos são os que exigem mas onde estão os provedores? Há um número muito maior de pessoas com coisas a dizer do que ouvintes. Há mais pais idosos negligenciados, do que filhos solícitos, embora numericamente a situação não devesse ser essa!

Exatamente como Jesus advertiu, que alguns espíritos só são expulsos “pela oração e pelo jejum” (Mateus 17:21), o “homem natural” também não desaparece sem dificuldade.

Com relação a esse conflito pessoal, o Senhor nos admoestou a vivermos de forma a “(podermos) sair (vencedores)” (D&C 10:5). Mas não podemos “sair vencedores” se não nos despojarmos antes do homem egoísta e natural!

O homem natural é, na verdade, inimigo de Deus, porque o homem natural impedirá que os preciosos filhos de Deus alcancem a felicidade verdadeira e eterna. Nossa felicidade completa exige que nos tornemos homens e mulheres de Cristo.

Os mansos homens e mulheres de Cristo são rápidos em elogiar, mas também são capazes de controlar-se. Eles entendem que, ocasionalmente, morder a língua pode ser tão importante quanto o dom das línguas.

Podemos facilmente pedir alguma coisa ao homem ou mulher de Cristo, mas não à pessoa egoísta. Cristo nunca deixou de lado as pessoas necessitadas por ter coisas mais importantes para fazer! Mais ainda, os homens e mulheres de Cristo são constantes, sendo iguais na vida privada e em público. Não podemos ter dois tipos de livros, enquanto os céus têm apenas um.

Os homens e mulheres de Cristo magnificam seus chamados sem magnificar a si próprios. Enquanto o homem natural diz “Adora-me” e “Dá-me o teu poder”, os homens e mulheres de Cristo buscam exercer o poder com longanimidade e amor não fingido (vide Moisés 1:12; Moisés 4:3; D&C 121:41).

Enquanto o homem natural extravasa a ira, os homens e mulheres de Cristo “não se (irritam)” (I Corindos 13:5.) Enquanto o homem natural está cheio de cobiça, os homens e mulheres de Cristo “não (buscam) os seus interesses” (I Corindos 13:5). Enquanto o homem natural raramente nega a si mesmo prazeres mundanos, os homens e mulheres de Cristo buscam dominar todas as suas paixões (vide Alma 38:12).

Enquanto o homem natural cobiça louvor e riquezas, os homens e mulheres de Cristo sabem que essas coisas são apenas “uma gota” (D&C 117:8). A contradição mais feliz da história da humanidade é que as pessoas que guardam os convênios e não são egoístas, no final receberão “tudo o que (o) Pai possui”! (D&C 84:38.)

Um dos últimos, sutis baluartes do egoísmo é o sentimento natural de que nós nos “pertencemos”. E claro que somos livres para escolher, e somos pessoalmente responsáveis. Sim, temos individualidade, mas aqueles que escolhem “vir a Cristo”, logo percebem que não se “pertencem”. Na verdade, pertencem a Cristo. Devemos consagrar-nos com nossos dons, nossa vida e nosso próprio eu. Portanto, há uma grande diferença entre teimosamente “ser dono de si mesmo” e submissamente pertencer a Deus. Apegar-se ao velho eu não é uma marca de independência, mas de indulgência!

O Profeta Joseph Smith prometeu que, quando o egoísmo é destruído, “podemos entender todas as coisas, presentes, passadas e futuras” (The Personal Writings of Joseph Smith, compilado por Dean C. Jessee, Salt Lake City: Deseret Book Co., 1984, p. 485). Mesmo agora, no entanto, em vislumbres do evangelho, podemos ver “(as) coisas como realmente são” (Jacó 4:13.)

Na verdade, o evangelho traz um entendimento glorioso das nossas possibilidades. As escamas nos caem dos olhos quando afastamos o egoísmo. Então vemos nossa luminosa e verdadeira identidade:

“Num dia claro, levanta e olha à tua volta,

E verás quem és.

Num dia claro, como te surpreenderá ver —

Que o brilho do teu ser é maior que o de qualquer estrela.

E num dia claro…

Podes ver toda a eternidade.”

(Allan Jay Lerner, “On a Clear Day”, © 1965 por Alan Jay Lerner e Burton Lane, Chappel & Co., Inc., tradução livre.)

Em nome de Jesus Cristo, amém!