2008
Consagra Tuas Ações
Dezembro de 2008


Clássicos do Evangelho

Consagra Tuas Ações

Neal A. Maxwell serviu dois anos como Assistente dos Doze e cinco anos na Presidência dos Setenta antes de ser apoiado membro do Quórum dos Doze Apóstolos, em 3 de outubro de 1981. Faleceu em 21 de julho de 2004, em Salt Lake City, após uma batalha de oito anos contra a leucemia. O Élder Maxwell fez este discurso atemporal sobre a consagração na conferência geral de abril de 2002.

Estas palavras são dirigidas aos que, embora imperfeitos, ainda se mantêm diligentes na família da fé. Como sempre, meu público imediato sou eu mesmo.

Tendemos a considerar a consagração como sendo renunciar, por orientação divina, às nossas posses materiais. Porém, a consagração suprema, é entregar-se a Deus. Coração, alma, e mente foram as palavras abrangentes que Cristo usou para descrever o primeiro mandamento, que está sempre, não periodicamente, em vigor (ver Mateus 22:37). Se cumprido, nossas ações serão totalmente consagradas ao eterno bem de nossa alma (ver 2 Néfi 32:9).

Essa plenitude envolve a convergência submissa de sentimentos, pensamentos, palavras e atos, que é o oposto extremo de afastamento. “Pois como conhece um homem o mestre a quem não serviu e que lhe é estranho e que está longe dos pensamentos e desígnios de seu coração?” (Mosias 5:13).

Muitos ignoram a consagração porque ela lhes parece excessivamente abstrata ou assustadora. Aqueles de nós que são conscienciosos, no entanto, sentem um descontentamento de origem divina diante da mescla de progresso e procrastinação. Essa é a razão destes conselhos carinhosos cujo intuito é confirmar esse rumo, dar-nos ânimo para continuar a jornada, e conforto ao enfrentarmos, cada um, os inerentes graus de dificuldade.

Ser Plenamente Submisso

A humildade espiritual não é obtida instantaneamente, mas por meio de aperfeiçoamento gradual, degrau por degrau. Afinal é para isso mesmo que servem os degraus, para serem galgados um de cada vez. Por fim, nossa vontade pode ser “absorvida pela vontade do Pai” se estivermos dispostos a ser submissos “como uma criança [que] se submete a seu pai” (Mosias 15:7; 3:19). Do contrário, embora nos esforçando, continuaremos a sentir a influência do mundo e perderemos parcialmente o rumo.

Os exemplos de consagração econômica são relevantes. Quando Ananias e Safira venderam suas propriedades, retiveram “parte do preço” (ver Atos 5:1–11). Muitos de nós nos agarramos tenazmente a certa “parte” a ponto de tratar nossas obsessões como se fossem posses. Sendo assim, seja lá o que for que já tenhamos dado, a última porção é a que mais nos custa ceder. É verdade que uma doação parcial já é louvável, mas essa atitude se parece muito com a desculpa: “Já fiz a minha parte” (ver Tiago 1:7–8).

Talvez, por exemplo, tenhamos um conjunto de habilidades específicas que podemos erroneamente supor serem propriedade nossa. Mas apegar-nos mais a elas que a Deus, é vacilar diante do primeiro mandamento de consagração. Como é Deus quem nos dá “alento… de momento a momento”, não é recomendável que nos prendamos a essas coisas que nos desviam de nosso propósito (Mosias 2:21).

Uma pedra de tropeço surge quando servimos a Deus generosamente com nosso tempo e dinheiro, mas ainda retemos porções de nosso próprio eu, demonstrando que não somos inteiramente Dele!

Alguns têm dificuldades especialmente quando determinado papel que desempenha vai chegando ao fim. João Batista, no entanto, é um modelo positivo, ao dizer ao crescente número de seguidores de Cristo: “É necessário que ele cresça e que eu diminua” (João 3:30). Considerar erroneamente nosso chamado atual como a única indicação do quanto Deus nos ama só fará aumentar nossa relutância em aceitar seu fim. Irmãos e irmãs, nosso valor individual já foi definido divinamente como “grande”; esse valor não flutua, não é como as ações na bolsa.

Não galgamos outros degraus porque, como o jovem rico e cumpridor dos mandamentos, ainda estamos dispostos a ver aquilo que ainda nos falta (ver Marcos 10:21). Demonstramos com isso um resíduo de egoísmo.

Nossa hesitação se mostra de inúmeras maneiras. O reino terrestrial, por exemplo, conterá os “homens honrados”, que obviamente não prestaram falso testemunho. No entanto, ainda assim, eles não foram “valentes no testemunho de Jesus” (D&C 76:75, 79). A melhor maneira de prestar corajosamente testemunho de Jesus é tornar-se cada vez mais semelhantes a Ele, e é essa forma de consagração que molda o caráter daquele que se esforça para emular o Senhor (ver 3 Néfi 27:27).

Não Ter Outros Deuses Acima de Deus

Ao procurarmos vencer esses desafios, a submissão espiritual é, felizmente, de grande valia — às vezes nos ajudando a “abrir mão” de algumas coisas, até mesmo da vida mortal, e outras vezes, a “agarrar-nos com firmeza”, e ainda em outras, a galgar o degrau seguinte (ver 1 Néfi 8:30).

Porém, se perdermos a perspectiva, os poucos metros restantes podem parecer insuperáveis. Embora cônscios de que Deus havia abençoado a antiga Israel para que escapasse do poderoso Faraó e seus exércitos, Lamã e Lemuel, tendo uma perspectiva limitada, não tinham a fé necessária em Deus para lidar com Labão, uma mera autoridade local.

Podemos também perder o rumo se estivermos ansiosos em demasia para agradar as pessoas influentes em nosso meio profissional ou de lazer. Agradar a “outros deuses” em vez de agradar ao Deus real constitui uma violação do primeiro mandamento (Êxodo 20:3).

Às vezes defendemos nossas idiossincrasias como se elas fossem a marca de nossa individualidade. De certa maneira, ser discípulo é praticar um “esporte violento”, como testificou o Profeta Joseph Smith:

“Sou como uma enorme pedra bruta (…) quando, com força e aceleração, colide contra os obstáculos. (…) Assim me tornarei um dardo polido na aljava do Todo-Poderoso”1.

É verdade que muitas vezes os joelhos cedem muito antes do intelecto, mas é a sonegação desse lado nosso que impede que alguns dos intelectos mais privilegiados da raça humana ajudem na obra de Deus. É muito melhor ser manso como Moisés, que aprendeu coisas que “nunca havia imaginado” (Moisés 1:10). No entanto, irmãos e irmãs, a triste verdade é que no jogo sutil de arbítrio e identidade, há hesitação demais. A sujeição da mente é, na realidade, uma vitória, porque ela então nos descortina os caminhos mais amplos e “mais altos” de Deus (Isaías 55:9).

Por ironia, uma atenção exacerbada, mesmo às coisas boas, pode enfraquecer nossa devoção a Deus. Há, por exemplo, quem se envolva demais com o esporte e com as formas de culto do corpo comuns entre nós. Há quem reverencie a natureza enquanto negligencia o Deus que a criou. Há quem se concentre na boa música ou numa atividade profissional louvável e em mais nada. Em casos assim, “o mais importante” é muitas vezes esquecido (Mateus 23:23; ver também I Coríntios 2:16). Somente o Altíssimo pode orientar-nos plenamente para que realizemos aquilo que podemos fazer de melhor.

Dos dois grandes mandamentos, declarou Jesus enfaticamente, tudo o mais depende, e não o contrário (ver Mateus 22:40). O primeiro mandamento não fica suspenso só porque estamos altamente empenhados em alcançar um bem menor, pois não adoramos a um deus menor.

Reconhecer a Mão de Deus

Antes de colher os frutos do trabalho honesto com algo louvável, reconheçamos a mão de Deus. Do contrário, surgem as racionalizações, e essas incluem: “A minha força, e a fortaleza da minha mão, me adquiriu este poder” (Deuteronômio 8:17). Ou então nos jactamos, como teria feito a antiga Israel (exceto no caso do exército deliberadamente pequeno de Gideão), exaltando-se ao proclamar: “A minha mão me livrou” (Juízes 7:2). Quando nos vangloriamos de nossa própria “mão” torna-se duplamente difícil para nós confessarmos a mão de Deus em todas as coisas (ver Alma 14:11; D&C 59:21).

Em um lugar chamado Meribá, Moisés, um dos maiores que já existiu, cansou-se do clamor do povo por água. Por um instante, ele falou precipitadamente, dizendo: “Porventura tiraremos água desta rocha para vós?” (Salmos 106:33; Números 20:10; ver também Deuteronômio 4:21). O Senhor, porém, guiou o notável Moisés para além do problema causado por essas palavras e o engrandeceu ainda mais. Faríamos bem em ser tão mansos quanto Moisés (ver Números 12:3).

Jesus nunca, nunca mesmo, perdeu o foco! Embora Ele andasse fazendo tanto bem a tantas pessoas, estava sempre consciente de que a Expiação O aguardava e, por isso, rogava sabiamente: “Pai, salva-me desta hora; mas para isto vim a esta hora” (João 12:27; ver também 5:30; 6:38).

À medida que nós, vocês e eu, desenvolvemos mais amor, paciência e mansidão, mais temos a oferecer a Deus e à humanidade. Além disso, ninguém mais foi colocado exatamente onde estamos, cada um na esfera humana que lhe cabe.

Sem dúvida os degraus do crescimento nos levam a territórios que, às vezes, não desejamos percorrer. Por isso, os que os galgam com sucesso são um forte incentivo para o restante de nós. Em geral, prestamos mais atenção àqueles que admiramos secretamente. O filho pródigo, faminto, lembrou-se dos banquetes de seu lar, mas foi também atraído por outras lembranças e disse: “Levantar-me-ei, e irei ter com meu pai” (Lucas 15:18).

Pela Consagração Entregamos a Deus o Que a Ele Pertence

Na luta por alcançar a submissão total a Deus, nossa vontade é tudo o que temos de verdadeiramente nosso para depor a seus pés. As dádivas e ofertas usuais que consagramos a Ele poderiam com justeza levar o carimbo: “Devolver ao Remetente”, com o R maiúsculo. E quando entregamos em retribuição a Deus essa única dádiva que temos a ofertar, a quem for plenamente fiel será dado “tudo o que [Ele] possui” (D&C 84:38). Nenhum investimento tem retorno maior!

Enquanto isso, algumas realidades persistem: Deus concedeu-nos a vida, o livre-arbítrio, os talentos e as oportunidades; concedeu-nos nossos bens e um período de vida mortal e até o ar que respiramos (ver D&C 64:32). Se encararmos as coisas dessa maneira conseguiremos evitar sérios erros de perspectiva; alguns dos quais muito menos divertidos do que ouvir um octeto e achar que é o Coro do Tabernáculo!

Não admira que o Presidente [Gordon B.] Hinckley tenha enfatizado que somos um povo que faz convênios, salientando o convênio do sacramento, do dízimo e do templo, e dito que o sacrifício é a “própria essência da Expiação”2.

O Exemplo de Submissão de Jesus

O Salvador alcançou um grau de submissão admirável quando enfrentou a angústia e a agonia da Expiação e desejou “não ter de beber a amarga taça e recuar” (D&C 19:18). Em uma escala bem menor e imperfeita, nós enfrentamos provações e desejamos que, de alguma forma, sejam eliminadas.

Pensem no seguinte: O que teria sido do ministério de Jesus se Ele tivesse feito mais prodígios, porém sem o transcendente milagre do Getsêmani e do Calvário? Seus outros milagres trouxeram o tão desejado prolongamento da vida e o alívio do sofrimento … de alguns. Porém, como comparar tais milagres ao mais grandioso de todos: o milagre da Ressurreição universal? (Ver I Coríntios 15:22). A multiplicação dos pães e dos peixes alimentou uma multidão faminta. Mesmo assim, em pouco tempo esses que foram alimentados voltaram a sentir fome, porém os que comeram o Pão da Vida nunca mais terão fome (ver João 6:51, 58).

Ao ponderar e procurar a consagração, é compreensível que estremeçamos internamente ao pensar em tudo que pode ser exigido de nós, mas o Senhor, para nos consolar, disse: “Porque minha graça vos basta” (D&C 17:8). Será que acreditamos mesmo em Suas palavras? Ele prometeu também tornar fortes as coisas fracas (ver Éter 12:27). Estaremos mesmo dispostos a nos submeter a esse processo? Se desejamos a plenitude, não podemos reter uma parte!

Ter nossa vontade cada vez mais absorvida pela vontade do Pai significa alcançar uma individualidade acentuada, ampliada e mais pronta para receber “tudo o que [Deus] possui” (D&C 84:38). Além disso, como nos poderia ser confiado “tudo” o que Ele possui sem que nossa vontade fosse muito mais semelhante à Dele? Esse “tudo” nem poderia ser plenamente apreciado por aquele que só se comprometeu parcialmente.

Francamente, traímos a pessoa que poderíamos vir a ser quando retemos “uma parte”, seja ela qual for. Não adianta portanto perguntar: “Porventura sou eu, Senhor?” (Mateus 26:22). Em vez dessa indagação, perguntemos sobre nossas próprias pedras de tropeço: “Porventura é esta, Senhor?” Talvez já conheçamos a resposta há muito tempo e precisemos apenas nos decidir a fazer o que já sabemos ser correto.

A maior felicidade possível no generoso plano de Deus está reservada, em última instância, para aqueles que estão dispostos a pagar o preço exigido para entrar em Seu reino. Irmãos e irmãs, “tenhamos ânimo e retomemos a jornada”.3

Em nome do Senhor, que estende os braços para nós D&C 103:17; 136:22) nós, sim, de Jesus Cristo. Amém.

Notas

  1. James R. Clark, ed., Messages of the First Presidency of The Church of Jesus Christ of Latter-day Saints, 6 vols. (1965–1975), vol 1, p. 185.

  2. Teachings of Gordon B. Hinckley (1997), p. 147.

  3. “Come, Let Us Anew,” Hymns, nº. 217.

Detalhe de Cristo e o Mancebo Rico, de Heinrich Hofmann. Cortesia de C. Harrison Conroy Co.

Não Se Faça a Minha Vontade, Mas a Tua, de Harry Anderson, © Igreja Adventista do Sétimo Dia, reprodução proibida.

O Salvador alcançou um grau de submissão admirável quando enfrentou a angústia e a agonia da Expiação e desejou “não ter de beber a amarga taça e recuar”.

Sacramento, ilustração fotográfica de Grant Heaton; A Vida de Cristo, de Robert T. Barrett, reprodução proibida.

A multiplicação dos pães e dos peixes alimentou uma multidão faminta. Mesmo assim, em pouco tempo esses que foram alimentados voltaram a sentir fome, porém os que comeram o Pão da Vida nunca mais terão fome (ver João 6:51, 58).